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Falésias

Eis-me acordado nesta manhã: um domingo mal-encarado, cinza e fosco, pelo menos por enquanto. Para não variar, ligo o laptop…e zás, FB vem logo atrás! E o que é que ele traz? Besteira de montão que preciso filtrar com desleixada atenção. Até que surgem algumas postagens que fazem mais sentido e pedindo leitura. Leio, no post de uma amiga virtual, algumas afirmações interessantes pela escritora italiana Bárbara Alberti que, do alto dos seus 81, diz que prossegue cavalgando a vida ao longo da borda de um precipício (a morte), mas que está pronta para viver mais duzentos anos. Já eu, de “apenas” 80 e tenho medo de cavalo, faço trilha ao longo da aresta da falésia proclamando a habitual convicção da minha imortalidade. E como imortal também precisa comer, vou ali no super da esquina comprar ingredientes para o almoço…   

Do Coração

Casal idoso que é casal idoso, cria de quando em vez um quiproquó para temperar a monotonia dos dias. Para isso, basta resolver fazer modificações na decoração dos cômodos da casa; ontem movemos um vez mais pelo menos um móvel (julgo ser por isso que se chama “móvel”), que imediatamente após retornamos de volta ao lugar original, porque a tentativa não deu certo. Para a movimentação, houve que retirar quilos de discos, filmes, CD´s, Blue Ray´s e o escambau e volver tudo para o lugar em que estava antes. Ah! Como me senti feliz e realizado enquanto me dedicava a essa tarefa! Mas, é claro que, com a minha inigualável paciência, até agradeci à minha companheirinha pela oportunidade de me manter ocupado! Hoje continuamos os trabalhos, escolhendo e instalando os quadros nas paredes, depois de, calmamente, com extrema educação, discutirmos os indiscutíveis lugares dos ditos-cujos!…  

Máguas

Eis Abril das mágoas mil, para quem, como eu, pertencente às gerações da segunda guerra ou do período seguinte hoje apelidados de “baby boomers” que procuraram sobrevivência nas colônias e acabaram nas agruras como vítimas da descolonização pedindo abrigo e trabalho por esse mundo a fora…

“Nelson”

Tropecei mais uma vez no que tange a ficar corretamente ligado ao que eventualmente leio de novidades na internet. Dia destes li um post da extraordinária Luisinha Caria sem atender que se tratava apenas de uma partilha sobre a aproximação de uma depressão meteorológica chamada de “Nelson”, que prometia mau tempo para a Páscoa. Expeditamente, comentei “que eu não estaria em Lisboa na Páscoa e que a depressão pela qual passei em Dezembro foi coisa rápida e benigna!” Pode uma porra destas?!

A Nina, gozadora, riu da minha cara, quando a Luisa respondeu o óbvio no meu comentário: Olhaí, Nelson; Nada a ver contigo não, amigo! Deram o teu nome a um novo twister ou tufão ou simples tropical storm! concedo que fiquei com o maior medo da possibilidade de eu estar também, tal como aquele velho figurão d´além mar, com problemas cognitivos…

Mortalidade

Pela segunda vez em curtíssimo tempo, tive de lamentar o passamento de pessoa de família. Em nenhum dos casos fui surpreendido, porque as duas pessoas, ambas primas direitas, se encontravam gravemente enfermas, apontando para quasi certa irreversibilidade. Para além da perda das primas, não posso deixar de lamentar o longo tempo de sofrimento delas e das famílias que com elas conviviam diariamente. Se temos de morrer, porque não fulminante?

Há já alguns bons anos, ainda produtivo e trabalhando muito, consultei um cardiologista em Macaé, RJ, que após fazer-me um eletrocardiograma, despendeu uma enormidade de tempo medindo com um paquímetro, o espaçamento de cada sístole. Ao fim desse período que me pareceu uma eternidade, ele ameaçou-me de “morte súbita”, tal o nível de arritmia apresentado. Para alguém que, feito eu, repetia nos meus escritos o convencimento de ser um caso raro de imortalidade, tal afirmação foi chocante! A arritmia junta com fibrilação atrial é, pois, como que uma lâmina de guilhotina permanentemente armada. Morte súbita não é mais o meu maior receio. Terror é a possibilidade de ser pesado a alguém por longo período. Daí eu cumprir a medicação diária prescrita, contrariando a vontade de jogar os comprimidos no lixo…

Aquarius

Devo regozijar-me por completar oitenta, não? Penso, o que prova que ainda existo, que sim, devo regozijar-me, já que houve um sem número de contemporâneos cuja vida se apagou muito antes de tal efeméride. Além de que, em última análise, quem da lei da morte já se libertou, perdeu todo o esculhambo que os novos tempos disponibilizaram no primeiro quarto do século 21. Concedo que eu acreditava nas propaladas virtudes a esperar da era de Aquarius. Lembram? “When the Moon is in the seventh house and Jupiter aligns with Mars…” Entretanto, surgiram, entre muitos outros cretinos, os malditos da filosofia Woke para estragarem os sonhos…

Dia das Mulheres

Sem querer, mas sempre querendo, bato mais uma vez no estafado clichê: “Todos os dias são Dia da Mulher”. É uma verdade, se falo da supermulher com quem há tantos anos dividido a vida e trato alternadamente como mãe, namorada, amante, cúmplice, múltiplos eteceteras… Ao ler este texto, adivinho-a reagindo: “Mãe, uma pinóia! Só sou mãe das minhas filhas!”

Sabine Hossenfelder é também uma mulher, mãe de duas outras mulheres, e dedica toda a sua vida à ciência e à música. Mas é na ciência, particularmente por via da contundência geralmente muito bem alicerçada nos seus frequentes comentários em torno da paranoia catastrofista da “mudança climática”, que carrega toda a minha admiração! Este ano, vai para Herrin Hossenfelder, PhD, minha congratulação pelo Dia das Mulheres!  

Judiaria

Estamos em Março, mês especial pelo meu nascimento e, com 24 anos de diferença, o da minha tia Miquinhas, irmã mais velha da minha mãe, que, portanto, completa 104! No último dia 29, festejou 100 anos a Dona Nora, decana dos Rónai. O extraordinário é que as duas atingem essas idades com invejável saúde mental. Minha mãe teria 102, não a houvesse levado o câncer. Porque dona Nora é judia, acabo por associar ideias e recordo a minha infância naqueles anos conturbados do pós-guerra. Ela, a minha mãe, jovem senhora do final dos anos quarenta, usava as roupas da época, o cabelo arranjado em permanente e pintava os lábios de vermelho vivo, como gostava. Aprendi mais tarde que ela era uma mulher de requinte, apesar das condições econômicas do tempo não ajudarem. Mesmo assim, quanto íamos para o Palácio de Cristal – o verdadeiro- meu pai alugava carrinho de pedais para mim e triciclo para a mana, para nossa alegria! Meu pai era fotógrafo profissional e andava sempre com uma máquina e tirava muitas fotos, mas ele mostrava só algumas que revelava. Eu escutava que a guerra havia terminado, mas que continuava o racionamento de itens de alimentação e alguns produtos fotográficos, que o meu pai clonou para poder trabalhar. Meu pai usava chapéu, como todos os homens, mas também tinha adultos usando boina, como eu usava. Havia um colega do meu pai, que usava boina e ia a nossa casa conversar. Chamava-se Sr. Nascimento e tinha muita barba loura. Meu pai disse que ele também era repórter e eu escutei eles falarem em julgamentos de homens que mataram mais quantidade de judeus do que havia de habitantes na nossa terra. Parece que não gostavam dos judeus, porque eles tinham outra religião. Mas eu tinha ouvido meu avô dizer que na quelha de Salzedas tinha muito judeu e que ninguém podia garantir se seria ou não da família deles. Então, perguntava, se toda a gente em Salzedas fosse de família de judeus, todos teriam sido mortos também?…

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Retorno aos tempos presentes, vejo-me com 80 anos vividos e fazendo a mesma pergunta: Se a população de Salzedas descendesse, como o meu avô dizia que poderia, dos judeus-cristãos-novos que em outros progroms, perseguições e expulsões ali, na historicamente chamada “Judiaria” se refugiaram, eis que, não obstante o que se esperava da modernidade e da decência, esse povo se encontraria agora, como sempre se encontrou aliás, na mira diabólica não só dos degoladores do extremismo muçulmano, mas também dessa turba  seguidora dos nazis que sonham, como sonhava o Adolfo, com a “solução final”, a qual seria, o extermínio dos judeus e seus consanguíneos…

Trolls

Não faz muito tempo que aqui falei nas surpresas que podem ser encontradas quando, mudando de residência após muitos anos no mesmo endereço, nos vimos obrigados a decidir o que fazer a esquecidos brinquedos de crianças de todas as idades, incluindo, é claro, de nós, adultos! Arrependo-me das críticas que em várias ocasiões eu fiz a pessoas de família que são, ou a meu ver considerei serem, acumuladoras crônicas, diante de tanta inutilidade que foi por nós próprios “colecionada” ocupando espaços úteis por tantos anos!

Entre as “inutilidades”, reencontramos esse casal de Trolls da mitologia norueguesa, genuínos, com certificado de origem! O par não foi trazido por mim da Noruega, mas foi comprado para mim por um colega, nos idos da década de 80. Foi um achado, porque eles, mesmo escondidos como estiveram, continuam lindos de tão feios e vão certamente de novo, enfeitar o nosso escritório e nos atraírem muita sorte…

Mahler 9

Hoje à tarde assisti ao vivo desde Bergen, Noruega, mais uma performance da 9ª Sinfonia de Gustav Mahler, desta vez pela Bergen Philharmonic Orchestra, sob a regência de Sir Mark Elder. Sempre apaixonado pelas sinfonias de Mahler, tenho, habitualmente, predileção por Abbado ou Bernstein para regê-las. Contudo, em nada me dececionou o  desempenho de Elder: Eloquência, serenidade e emoção! Especialmente durante os andamentos I – Andante Comodo em forma de sonata, extraordinariamente longo e IV – Adágio, muito triste e emocionante, com as ultimas barras em pianíssimo morrente, culminando em vários segundos de absoluto recolhimento em estrondoso silêncio!